quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Do Pinho à Colina - Sinopse Histórica 02

Apesar de todos os problemas que, ano a ano, variavam em qualidade e aumentavam em quantidade, o número de naturistas na praia ia aumentando. Se em 1984 não superava a casa dos trinta ou quarenta, em 1985 ele para oitenta a cem. Durante a temporada de 1986, não menos de trezentas pessoas tiraram a roupa na Praia do Pinho.
O tão anunciado apoio, prometido pelos políticos e autoridades locais, entretanto, continuava somente na promessa. No feriado de Carnaval de 1986, o movimento na praia foi grande. Acredito que a freqüência média em cada dia deve ter sido em torno de uma centena de pessoas. Isso, para uma praia de pouco mais de quatrocentos metros de areia, e sob o risco de uma eventual prisão policial, ou agressão por parte dos nativos habitantes das redondezas, é um grande movimento.
Resolvemos fazer um pequeno baile de Carnaval, no salão do restaurante. Somente para umas poucas pessoas. Foi conseguido um gerador - não havia eletricidade -, um toca-fitas, algumas fantasias improvisadas e estava feito o baile. Lá pelas dez horas da noite, eu já estava cansado de "pular"; sentei a uma mesa para descansar e tomar uma cerveja.
Vendo aquele grupo tão unido e amigo brincar descontraidamente, resolvi tomar a iniciativa para organizar alguma coisa.
Vi um cartaz de propaganda de cerveja afixado em uma coluna de madeira. Levantei e fui até o balcão do restaurante, onde peguei uma caneta. Quando, ao voltar para minha mesa, passei pela tal coluna, descolei o cartaz e levei-o comigo. No verso dele, comecei a escrever: "Assembléia de Fundação da Associação dos Naturistas da Praia do Pinho". E segui:
"Aos dez dias do mês de fevereiro de um mil novecentos e oitenta e seis, no restaurante da Praia do Pinho, município de Balneário Camboriú, os abaixo assinados decidiram fundar a Associação dos Naturistas da Praia do Pinho - ANPP. Visando desenvolver e difundir a cultura do Naturismo, será elaborado um regulamento ou código de ética, que será observado e divulgado pelos associados abaixo assinados e futuros integrantes da presente associação."
Levantei e comecei a chamar o pessoal para ler, e seguiram-se as assinaturas: Márcia e Celso Rossi, Elza Corsi e Ricardo Slupski, Mônica e Fernando Grieco, Antônia e Amílton Bauer, Dagmar e Odone Branco, Gertrudes e Siegfried Heyder, Laura e Alberto Paita, José Anastácio Furtado, José Fernandes Neto, Ivone e Alberto Paulo e Ângela e Roberto Mello.
Alguns, temendo comprometer-se em um documento que, apesar de manuscrito e rasurado, poderia constituir prova em algum inquérito policial, não o quiseram assinar.
Após algumas discussões e sugestões, o rascunho foi rasurado, mudando-se o nome de Associação dos Naturistas da Praia do Pinho para Associação Amigos da Praia do Pinho, o que não seria tão comprometedor.
O final do mês de fevereiro anunciava, mais uma vez, o final da temporada de verão, quando todos voltavam para suas cidades e seu trabalho. O que acontecia - e acontece - de interessante, após uma temporada na Praia do Pinho, era que, quando chegávamos à praia nos adaptávamos imediatamente àquele novo ambiente, mas quando retornávamos para os nossos lares, chegávamos a passar meses desambientados aos mesmos e ao nosso trabalho, enfim, a tudo o que "cheirasse" a cidade.
O ano de 1987 iniciou com a TV Manchete anunciando, várias vezes por dia, uma reportagem em sua revista sobre a Praia do Pinho.
Ainda não havia iniciado nem o período de férias, quando viajaria ao Pinho, e, de Porto Alegre, já começava a temer pelo futuro da nossa praia de Naturismo, uma vez que não dispúnhamos de um mínimo de organização para conter o grande avanço de curiosos que aquela reportagem, tão largamente anunciada, em nível nacional, traria à praia.
Alguns dias mais tarde, quando deixei a BR 101 e ingressei na estrada secundária que leva ao Pinho, minha expectativa era grande. Não sabia o que iria encontrar na praia. Não sabia, sequer, se ainda era uma praia de Naturismo.
A estrada de terra estava muito movimentada, como nunca a havia visto antes. Muitos carros e motos, na sua maioria guiados por homens fazendo algazarra. Cada carro que cruzava por mim fazia aumentar uma dor no peito, que começava a me sufocar. Como um sentimento de pesar ecológico. Como o que sentimos quando vemos matarem uma baleia, ou uma grande queimada na floresta.
Quando cheguei ao topo do morro que esconde a Praia do Pinho, havia um enorme engarrafamento de veículos. Alguns tentando sair, outros tentando estacionar. Tudo em meio à algazarra de pessoas gritando: "VAMOS VER OS PELADOS!"
- Acabou - disse para mim mesmo.
Comecei a pensar em voltar e ir para outro lugar, para não ver o que estaria acontecendo na praia.
Resolvi descer. Somente para ver os amigos que lá estivessem, e depois ir embora.
Quando avistei a praia, ela estava cheia de gente caminhando para lá e para cá. Todos vestidos.
Homens e mulheres trajando até calças compridas, sapato e meia. Não faltavam nem executivos ou vendedores, empunhando maletas do tipo 007. Uma ou outra pessoa sem roupa, sendo alvo de olhares e gozações de turistas e curiosos.
Encontrei poucos amigos. A tristeza entre eles era visível. Decidi pernoitar ali, pois já estava anoitecendo, para, no dia seguinte, ir a Quatro Ilhas, lugar onde passava minhas férias antes de conhecer o "paraíso", que agora estava morrendo.
No dia seguinte, acordei cedo o suficiente para ver o sol nascer. Maravilhoso. A praia estava deserta. Caminhei até o meio dela e, à beira do mar, fiquei observando o sol subir lentamente.
Aquilo me fez esquecer de toda a tristeza que havia sentido no dia anterior.
Bem à frente da pousada, dei uma última olhada para o mar, como que para dar o meu último adeus, quando vi, a uns cem ou duzentos metros da praia, alguma coisa boiando. Era azul. Não conseguia identificar o que era.
Entrei no mar e nadei até ela. Era uma corda. Uma corda de navio, de náilon azul, com uns cinco ou seis centímetros de espessura. Estava um pouco enrolada. Segurei em uma de suas extremidades e comecei a puxá-la para a praia.
Quando cheguei na areia, arrastei-a para fora d'água. Ao chegar no ponto onde iniciava a vegetação, virei-me para ver o seu comprimento e, ao observá-la, vi que formava uma linha perpendicular à praia: havia dividido a praia em duas metades. A idéia que me ocorreu foi óbvia.
Resolvi ficar ali, de pé, ao lado da corda. Não havia ninguém, ainda, na praia. Deviam ser umas sete e meia, ou oito horas da manhã.
Poucos minutos depois, chegou um casal. Eu os conhecia de vista, eram naturistas. Foram até o canto Sul da praia e tiraram a roupa. Mais uns minutos passaram, quando chegou um carro.
Algumas pessoas desceram e ficaram me olhando: eu estava nu. Pareciam ser turistas.
Vieram caminhar na praia.
A Praia do Pinho sempre foi uma praia completamente deserta, à exceção dos naturistas, uma vez que o acesso é precário e o mar muito revolto. Não fosse praticado o Naturismo lá, nunca ela receberia a visita de turistas para "caminhar na praia".
Eu permanecia de pé, ao lado da corda, esticada no chão. Eles vieram caminhando na minha direção. Certamente iriam caminhar até o final da praia para olhar o casal que lá estava, nu, depois voltariam e iriam embora, ou sentariam na areia, para aguardar a chegada de mais naturistas, como se tivessem pago para assistir a algum espetáculo.
Quando chegaram próximos de mim, os recebi:
- Tudo bem? Vieram conhecer a Praia do Pinho? Aqui é uma área de Naturismo e funciona da seguinte forma: o trânsito pela praia é livre, esteja ou não de roupa. Porém, a quem for ficar na praia para tomar sol, ou banho de mar, e não quiser ficar sem roupa, nós pedimos que se instale do lado de cá da corda - apontando para o lado Norte da praia, indicava qual o lado a que me referia - onde o mar é igualmente limpo, a areia é macia e o sol também brilha. OK? Muito obrigado.
Blefe. E cara de pau, pois chegar para conversar com estranhos, como se dono da praia fosse, e nu, não é fácil. O fato é que eles acreditaram. Foram até o fim da praia, como era fácil de prever, voltaram e se sentaram no outro lado da corda, onde eu lhes tinha indicado.
Até as três da tarde, momento de maior movimento de turistas, eu já havia conversado com centenas de pessoas e a praia estava funcionando, realmente, daquela forma: naturistas de um lado, vestidos do outro.
Alguns achavam que eu era funcionário do Governo, ou da Prefeitura, outros complicavam, alegando que a praia é pública e tinham direito de ficar onde quisessem. A maioria, entretanto, simplesmente aceitava as "regras".
Sem dúvida, era desagradável cercear a liberdade das pessoas, mas parecia ser a única forma de manter, naquele local, a possibilidade da prática do Naturismo
No final do dia, eu estava exausto. Sem uma gota de saliva. E aquele era recém o primeiro dia de semanas em que eu permaneceria fazendo aquele trabalho de "porteiro do paraíso".
Algumas pessoas do grupo, que não haviam se dispersado após a invasão dos curiosos, começaram a trabalhar comigo, em especial o Zig, que era incansável, fazendo a "ronda".
Já há alguns dias na praia, sem praticamente curti-la, mas proporcionando tranqüilidade para que muitos o fizessem, tive em minhas mãos a tal revista Manchete, que havia saído uns quinze dias antes.
Ao ler a reportagem, que já falava na Associação Amigos da Praia do Pinho, lembrei que, dela, só havia mesmo um manuscrito, redigido no verso de um cartaz de propaganda de cerveja. Precisava "esquentar" um pouco mais aquilo.
Tratei logo de datilografá-lo, registrando nessa transcrição a observação de que "as assinaturas encontram-se em documento original, arquivado na sede da AAPP, e assinam a presente transcrição os associados Alberto Pedro e Celso Rossi".
O interesse da imprensa e das pessoas pela Praia do Pinho, a cada ano, ia aumentando e já não estava difícil vislumbrar um futuro, não muito distante, com algumas dezenas de milhares de pessoas praticando o Naturismo no Brasil.
Ao mesmo tempo, dentro de um Movimento tão polêmico, era nada confortável a sensação de se estar com todos os ovos na mesma cesta. Caso alguma coisa acontecesse com a Praia do Pinho, inviabilizando-a para o Naturismo, somente após outros vinte anos, talvez, reunir-se-iam, em um mesmo local e tempo, os fatores necessários ao surgimento e desenvolvimento de uma área naturista. A única maneira de assegurar a continuidade do movimento Naturista Brasileiro era desenvolvê-lo em outros pontos do País.
Na barraca, que era minha casa e escritório, já havia montado uma mesa de bambu, sobre a qual estava a máquina de escrever.
Numa tarde chuvosa do mês de janeiro de 1988, sentei à mesa, rascunhei e datilografei os estatutos da Federação Brasileira de Naturismo - FBN, que seria a entidade nacional que promoveria a fundação e desenvolvimento de novas associações no Brasil e as manteria unidas pelo mesmo ideal.
Como ainda não havia outras associações, e para que a FBN não fosse uma entidade de uma só pessoa, comprei um livro de atas e registrei a fundação da FBN como sendo o resultado de uma reunião ocorrida no restaurante da Praia do Pinho, em 15 de janeiro de 1988, entre o Presidente da AAPP e o representante da International Naturist Federation no Brasil, Hans Frillman.
No feriado da Páscoa, pouco mais de um mês depois disso, aproveitando o grande movimento de naturistas na praia, organizei e presidi três reuniões no mesmo dia: uma às 14 horas, uma às 18 horas e outra às 20 horas, todas no restaurante da Praia do Pinho.
Na primeira reunião, com mais de 20 naturistas do Rio Grande do Sul, fundamos a AGN - Associação Gaúcha de Naturismo.
Na segunda reunião, também com vinte e poucos naturistas do Paraná, fundamos a APAN - Associação Paranaense de Naturismo e, na terceira, com trinta e poucos naturistas de São Paulo, fundamos a SP-Nat - Associação Paulista de Naturismo.
Quando entramos em dúvida quanto ao que vem primeiro: o ovo ou a galinha, para não sucumbir a esse impasse, o melhor mesmo é fazer uma galinha e alguns ovos, para que tudo já comece a funcionar.
No final daquelas reuniões, eu já tinha três outras marcadas para os próximos dias: em Porto Alegre, em Curitiba e em São Paulo.
Naquele mesmo feriado de Páscoa, o jornalista Tarlis Batista, da revista Manchete, esteve na praia, junto com a fotógrafa Cristiana Isidoro. Conseguimos realizar uma excelente matéria, com muitas pessoas colaborando com a fotógrafa, que conseguiu um ótimo material para ilustrar a reportagem.
Para garantir que a matéria não se desviaria dos rumos da realidade, fui ao Rio de Janeiro, onde acompanhei a redação final da reportagem e a seleção fotográfica.
A matéria ficou muito boa e teve uma repercussão excelente.
Tarlis Batista, encantado com o desenvolvimento que conseguimos dar à Praia do Pinho, resolveu nos apoiar no que fosse preciso.
Do Rio de Janeiro, fui a São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, acompanhando as primeiras reuniões da SP-Nat, da APAN e da AGN, para elaboração e aprovação de estatutos.
Vinte dias mais tarde, encarei mais um roteiro de reuniões nas três capitais.
Em Curitiba, os diretores da APAN já haviam feito contato com proprietários de uma chácara ao pé da Serra da Graciosa. Acompanhei as negociações para viabilizar sua utilização pelos naturistas paranaenses e fomos até o local.
Cachoeiras, pequenos chalés em fase de acabamento, área para camping, piscina natural, mato, etc.: ótimo local. Um único problema: os borrachudos.
Esses borrachudos vieram a causar, mais tarde, uma divisão na APAN, entre os que queriam enfrentar os borrachudos e os que preferiram procurar outro local. Dessa divisão, nasceu a UAN - União de Amigos Naturistas, uma associação só de casais e famílias, não admitindo pessoas solteiras, que foi em busca de outra área.
Em São Paulo, após duas reuniões de aprovação de estatutos, eleição, etc., alguém descobriu o proprietário de um sítio que estaria disposto a alugá-lo para os Naturistas da SP-Nat.
Foi marcado um churrasco no local e viajei a São Paulo, novamente para verificar.
Possuía infra-estrutura completa, desde chalés, churrasqueiras até piscinas e sauna. O encontro transcorreu normalmente, a não ser pela chuva, que colaborou para que algumas pessoas abusassem um pouco da bebida.
Da segunda visita àquele sítio, entretanto, não pude participar. Somente mais tarde fiquei sabendo que a companheira do proprietário da área apareceu e demonstrou que o que queriam não era a prática do Naturismo, dentro dos nossos princípios éticos. Isso inviabilizou o uso daquele local para os encontros dos naturistas da SP-Nat.
Entre encontros e desencontros, as associações iam promovendo reuniões e debates, mas com muito poucos frutos. Era um trabalho difícil.
Com o passar dos anos, fui percebendo que de cada três associações que ajudava a criar, duas sucumbiam em pouco tempo. Geralmente, não sobreviviam às discussões para elaboração dos próprios estatutos. Se passassem disso, corriam sérios riscos de dividirem-se durante os processos eleitorais. Assim, era importante o apoio aos novos grupos.
Da experiência desse processo, acabei desenvolvendo um sistema de núcleos naturistas, comandados por delegados da FBN, nomeados diretamente pelo Presidente. Sem personalidade jurídica própria, eram extensões da federação, com um regulamento já definido. Dessa forma, foram suprimidos os dois maiores obstáculos à afirmação das novas associações: estatutos e eleições. Quando atingiam um porte mais consistente, acima de cinqüenta membros, já com algum tempo de experiências teóricas e práticas no gerenciamento do grupo, transformavam-se, então, em clubes ou associações, rompendo o "cordão umbilical" com a FBN.
Em 1989, junto com Paula Andreazza, fundamos a Naturis.
Na época, vivíamos num terreno recebido em Comodato, ao lado da Praia do Pinho, que batizamos de Paraíso da Tartaruga.
No Paraíso da Tartaruga, construímos um pequeno camping, em platôs, pois era na encosta de um morro, e instalamos as sedes da AAPP – Associação Amigos da Praia do Pinho e da Federação Brasileira de Naturismo, entidades fundadas e até então presididas por mim.
Todos os anos chegavam novos naturistas à Praia do Pinho e ao Paraíso da Tartaruga, e estes comentavam com comigo com a e Paula que eles também sonhavam um dia poder largar tudo e ir morar numa área naturista.
Eu tinha a idéia de montar uma empresa, como uma cooperativa ou algo assim, que pudesse abrir possibilidades de trabalho a naturistas que quisessem viver em tempo integral no e do naturismo.
Para divulgação da AAPP e do Paraíso da Tartaruga, a Paula editava o boletim informativo da AAPP, chamado PinhoÉ.
Um dia, resolvemos dar um passo maior e transformar o PinhoÉ numa revista e a empresa que já possuíamos, chamada Andreazza & Rossi Ltda, transformou-se na Naturis Empreendimentos Naturistas Ltda.
Muitas pessoas estavam na lista de potenciais sócios da nova empresa, mas apenas Milton Pereira integralizou, de fato, uma parte do capital, tendo se desligado posteriormente.
Auxiliados por Rose Espíndola Moennich, pois na época nem telefone havia por perto, começamos a desenvolver novos produtos, como camisetas e moletons, com a griffe Naturis, e adesivos. Paula transformou o boletim informativo PinhoÉ na Revista Naturis n. 0 e os sonhos começaram a tornar-se realidade.
Era muito grande a dificuldade de conseguir patrocínio para a Revista Naturis, especialmente quando o verão terminava e todos os turistas voltavam aos seus trabalhos nas grandes cidades e a Paula e eu continuávamos morando no Paraíso da Tartaruga, sem luz, sem telefone e, quando chovia, sem condições de ir até a cidade.
Investindo o resto das minhas economias geradas em dez anos de trabalho anterior, como diretor de marketing, apostei nas edições das Naturis ns. 1 e 2 como sendo o período necessário a que ela atingisse a viabilidade financeira.
Edson Medeiros, de São José dos Campos, era um grande apoiador da revista, especialmente na parte editorial, enquanto Sérgio de Oliveira tentava vender anúncios no Rio de Janeiro.
A Naturis era editada em português e inglês, pois o naturismo no Brasil era incipiente, enquanto na Europa e Estados Unidos possuía milhões de adeptos. A Revista Naturis tinha a pretensão de atingir esses mercados, atraindo turistas do hemisfério norte para as áreas naturistas no Brasil.
A romaria junto aos órgãos públicos era enorme, pois o mercado de empresários envolvidos diretamente com o naturismo era praticamente inexistente, e restava buscar o apoio de entidades oficiais incumbidas de desenvolver o turismo.
Paralelamente, a empresa Naturis contratou uma parceria com José Élvio de Oliveira, dono de uma belíssima área de 14ha, com 350m de praia e privacidade total, para a realização da tão sonhada vila naturista. Na praia de Pedras Altas, em Palhoça/SC, a Naturis começou a implantar seu primeiro grande Projeto de Ocupação Naturista.
A inflação corria solta no Brasil e a dificuldade em cobrar os anúncios conseguidos dos órgãos públicos era muito grande.
Por outro lado, a FATMA, órgão de licenciamento ambiental em Santa Catarina, numa atitude comprovadamente discriminatória, embargou o projeto.
Após dois anos de lutas burocráticas e processuais, buscando apoio de todas as autoridades possivelmente competentes para a solução do problema – inclusive governador, presidente da Assembléia Legislativa, Ministro do Meio Ambiente – decidimos deixar o Projeto Pedras Altas em suspenso, sair da Praia do Pinho – onde a situação fundiária não permitia o desenvolvimento de algo semelhante – e partimos em busca de uma nova área para construir nosso sonho.
Com tudo isso, mais a precariedade das condições de trabalho, tivemos de suspender a edição da Revista Naturis.
Na última temporada em que esteve sediada no Paraíso da Tartaruga, na Praia do Pinho, a Naturis contratou o trabalho de filmagem de uma empresa de Balneário Camboriú, com o intuito de produzir o primeiro vídeo documentário naturista brasileiro.
Filmagens e fotografias sempre foram tabus em áreas naturistas. Para evitar transtornos, a Praia do Pinho foi dividida em duas metades, ficando reservado o canto sul para a obtenção das imagens. Assim, para garantir a segurança e a tranqüilidade dos demais usuários da praia, somente participaram das filmagens aqueles que assinaram o documento de autorização, nas mãos de um naturista que ficava encarregado de fiscalizar o trânsito entre as duas partes da praia.
O vídeo foi um sucesso e, nos anos seguintes, muitos milhares de pessoas tornaram-se adeptas ao naturismo após assisti-lo.
Este trabalho viria a consolidar a divulgação da Praia do Pinho e do Movimento Naturista, além de, mais tarde, servir de suporte aos elevados custos de impressão e distribuição da Revista Naturis.
Até então, os sonhos eram grandes, mas a realidade do mercado naturista era insuficiente para sustentá-los.
Para despertar novamente a organização naturista, à frente da FBN, comecei a implantar vários núcleos naturistas, com delegados nomeados e sem personalidade jurídica própria – não necessitando assim, estatutos. Então surgiram o NPN – Núcleo Paulista de Naturismo, tendo Alexandre Tsanaclis como seu Delegado, o NGN – Núcleo Gaúcho de Naturismo, com Roberto Marques Soares, o NPN – Núcleo Paranaense de Naturismo, com Mário Van Den Bylaardt, além de outros tantos, em vários estados do Brasil. Também integrada ao novo processo de desenvolvimento, estava a Rio-Nat – Associação Naturista do Rio de Janeiro, tendo à frente Sérgio de Oliveira.
Esta nova onda necessitava de um veículo de comunicação e integração desse público naturista que voltava a se reunir de modo organizado.
Ressurgiu, assim, a Revista Naturis, no seu n.03, com poucas páginas, edição econômica, capa em preto e branco e a maior parte do conteúdo reportando o trabalho dos núcleos naturistas recém criados. Parte dos custos da revista ainda eram bancados pelos próprios idealizadores, mas uma considerável fatia de custos já era absorvida pela venda de fitas de vídeo, por novos assinantes e outra parte subsidiada pela própria FBN, carreando parte dos recursos da arrecadação dos núcleos.
A partir desse momento, com a revista Naturis difundindo as idéias naturistas e estimulando os naturistas a dedicarem-se ao Movimento, começaram a se proliferar novas áreas naturistas, a maioria delas provenientes dos núcleos que se transformaram em clubes ou associações, como o clube Rincão, em Guaratinguetá/SP, o sítio Fulano de Tal, em Lapa/PR, a praia de Barra Seca, em Linhares/ES; o Sítio Ibatiporã, em Porto Feliz/SP; o Recanto Paraíso, na Serra das Araras/RJ; o Solar de Guaratiba, em Guaratiba/RJ. Além destas, áreas já existentes, como a Praia do Pinho, em Balneário Camboriú/SC; a praia de Tambaba, em Conde/PB e a de Pedras Altas, que, em que pese o grande projeto estivesse embargado, possuía um grupo de naturistas atuantes em torno do CNPA – Clube Naturista Pedras Altas.
Todas essas novas áreas naturistas começavam a tornar viável a comercialização de anúncios em uma revista naturista que, sendo distribuída nas bancas do país, divulgava e atraía novos adeptos a cada dois meses, o que, por sua vez, reforçava as próprias áreas naturistas, com novos sócios.
Finalmente, após pesquisar áreas de terras em várias partes do Brasil, em especial na Bahia, no interior de São Paulo e no Rio Grande do Sul, encontramos uma chapada no topo uma colina, no município de Taquara/RS. Em função da localização, dos recursos naturais da área e da privacidade oferecida pelo terreno, já que todas as divisas encontravam-se abaixo da linha máxima, em todas as direções, decidimos que ali, finalmente, executaríamos nosso Projeto de Ocupação Naturista.
O lançamento e o sucesso da Colina do Sol foi um novo impulso para a Naturis, que recebeu um considerável investimento por parte dos recursos gerados pela Colina.
Mais um vídeo documentário foi produzido, com o título “Colina do Sol: A realização dos nossos sonhos de felicidade”.
Ao mesmo tempo, o Centro Naturista Colina do Sol começou a materializar toda a idéia que tínhamos de uma vida naturista integral: numa pequena Vila Naturista, com áreas residenciais, comerciais, de lazer. Lojas, mercados, pousada, camping, oficinas, enfim: todas as possibilidades de trabalho e desenvolvimento de um novo estilo de vida.
Nessa época, o naturismo no Brasil ganhou um novo impulso e inspiração editorial. Novos nomes surgiram, como Cândida Furtado, auxiliando na seleção de matérias e na redação de ótimos artigos.
O passar dos anos e a continuidade das edições da Naturis, com mais de vinte e cinco números, fez com que se tornasse um ícone do naturismo brasileiro, não apenas a nível nacional, como também internacional.
A distribuição da Revista Naturis, por intermédio de distribuidoras especializadas, não estava trazendo resultados satisfatórios, pois a Naturis acabava ficando esquecida no depósito em meio a tantas outras publicações. Marcelo Pacheco, que já trabalhava na Colina do Sol, foi então convidado a iniciar um trabalho de distribuição direta para as bancas de revistas.
O resultado desse trabalho foi o crescimento das vendas, em Porto Alegre, em índices sem precedentes. A Naturis vendia mais do que muitas revistas tradicionais, pois passou a ficar exposta, através de uma atuação personalizada de contato com o pessoal das bancas.
Poucas edições após, Marcelo assumiu a distribuição direta também para a cidade de São Paulo. Na seqüência desse desenvolvimento, ele foi convidado a gerenciar a distribuição da Naturis para todo o Brasil, vindo residir, permanentemente, com sua companheira, Carina Moreschi, na Colina do Sol.
Finalmente, já realizados com o trabalho que havíamos feito pelo naturismo no Brasil, passamos a transferir nossas responsabilidades e oportunidades desse mercado a outras pessoas, configurando-se, assim, a famosa “passagem do bastão”.
Hoje, continuo naturista, podendo desfrutar de inúmeras opções de hospedagem e férias naturistas pelo Brasil, com o prazer e a paz de espírito que esse hábito proporciona e com a satisfação e a realização pessoal por um trabalho árduo, de muitos anos, mas que trouxe grandes resultados para os naturistas brasileiros.
Porto Alegre, outubro de 2005.
Celso Rossi

Álbum Fotográfico 01

Vista da Praia do Pinho em novembro de 1985.



Fevereiro de 1985, encontro com grupo de naturistas no Pinho: Zig, Odone, Dagmar e filhos, Edo, Rose, Fernando, Mônica, Márcia e Celso.


A ousadia de começar um topless, cuidando a polícia que descia a estrada.


Celso inaugurando o camping da Praia do Pinho para o naturismo... e outras partes mais.


Roberto e Ângela, no dia da criação do logotipo da AAPP.


Primeira versão do logotipo, esculpido por Celso.







Sol nascendo na Praia do Pinho.




Festa de Carnaval de 1986, quando foi fundada a AAPP.



Nascer do Sol no Pinho.



Fotos e esculturas na areia: Naturismo estimula atividades lúdicas.






Placas que orientam os visitantes: praia organizada.




Zafa e Celso, limpando a rede de pesca, na Tenda do Zafa.




Grupo de naturistas com a primeira camiseta da praia.




Mazoca, Secretário de Turismo de Balneário Camboriú: um dos responsáveis pelo sucesso da Praia do Pinho.


No "escritório" da FBrN.











Peça de museu, a máquina que o Edo emprestou para fazer o estatuto da Federação Brasileira de Naturismo.





Casa de lona na Praia do Pinho.


Com as crianças no mar.




Hasteando as bandeiras no platô do Paraíso da Tartaruga, com vista para a Praia do Pinho.

Novo endereço e novo fogão: um fogão de verdade!!




Tudo se reaproveita: um futuro cinto.



Da Praia do Pinho à Colina do Sol - Sinopse Histórica

Era janeiro de 1985 e eu estava desfrutando meus quinze dias de férias em Santa Catarina, em companhia de minha então esposa, Márcia. Estávamos acampados em Quatro Ilhas, próximo a Bombinhas. Ideal para quem gosta de surfar e fazer caça submarina. No canto Norte, tem mar calmo e uma costa excelente para mergulho. No Sul, ondas. A sensação de contato com a natureza era quase plena. Para torná-la completa, começamos a procurar praias desertas para poder tirar nossas roupas e sentirmo-nos como náufragos numa ilha deserta. Fomos até Canto Grande, Zimbros e Mariscal, onde Márcia arriscou um topless. Não era, ainda, o lugar que procurávamos.

Resolvemos, um dia, ir almoçar em Itapema, no restaurante do Carlinhos, que era de um amigo nosso.

Eu lembrava de uma reportagem na revista Manchete, no ano anterior, sobre uma praia de nudismo em Santa Catarina.

- É... Tem uma praia aqui perto, onde dizem que o pessoal faz nudismo - disse ele. Olhou-nos, de cima a baixo, como se estivesse nos imaginando nus, com aquele ar de "quem diria?..."

- Onde é? - perguntei, pensando que teria de rodar ainda uns duzentos ou trezentos quilômetros até chegar à tal praia.

- É aqui perto de Camboriú. Uns dez quilômetros - respondeu, com ar desconfiado. Explicou-me como chegar ao local e foi atender outros clientes.

Terminamos de almoçar e fomos, rapidamente, à procura da praia de nudismo.

Sofremos um bocado até chegar lá, pois meu carro enfrentou dificuldades patinando contra as íngremes subidas de cascalho e terra batida.




No topo do morro, avistamos a praia. Era pequena. Uns quinhentos metros de areia, talvez. Havia algumas pessoas. Pela distância, não dava para ver se estavam realmente nuas.

Minha respiração começou a ficar difícil, pois a ansiedade me apertava o peito. Sentia que estava prestes a iniciar uma aventura, mas ainda a ponto de recuar. Um momento de hesitação me deteve por alguns segundos, fazendo-me aliviar o pé do acelerador e quase parar o carro.

Márcia me lançou um olhar intrigado. Era aquariana e, como tal, menos preocupada com as conseqüências das novas experiências.

Descemos com o carro até próximo à praia. Pudemos constatar que era, realmente, uma praia de nudismo. Podíamos contar umas dez ou doze pessoas, entre homens, mulheres e crianças, todos nus.

Para não dar a impressão de sermos apenas curiosos, levei a prancha, pois havia boas ondas no mar para justificar que alguém descesse até ali com outras intenções.

Uns cem metros à esquerda, estava um homem sentado em uma cadeira e, um pouco mais adiante, um casal. Duzentos metros à direita, dois ou três casais, à sombra de alguns guarda-sóis, mais algumas crianças brincando na areia. Vestidos, na praia, somente nós dois, que estávamos há dias procurando uma praia deserta para tirar a roupa e ficar tomando sol no corpo inteiro.

Nunca havíamos tirado a roupa em público e isso fez com que demorássemos uns vinte minutos até ficarmos nus, apesar da distância a que as outras pessoas se encontravam, que mal permitia distinguir um homem de uma mulher.

Um pouco medrosos a princípio, ali ficamos um bom tempo.

A areia quente e grossa da praia, em contato com as nádegas e a região pubiana, sem qualquer tecido para separar-lhes, fazia brotar uma sensação gostosa de intimidade com o chão. A brisa que vinha do mar, carregada de maresia liberada pela rebentação das ondas, passava pelo meu corpo totalmente desprotegido, totalmente integrado com o ambiente natural à minha volta. Como a simples ausência de um pequeno pedaço de pano podia resultar em tantas e tão fortes sensações!

Essas descobertas só não eram mais profundas e intensas porque minha consciência insistia em lembrar que a qualquer momento poderiam aparecer estranhos, ou até mesmo a polícia, para reprimir tão ousada busca por liberdade corporal.

Comecei a observar um grupo que estava à direita e vi um homem com equipamento de mergulho: pés-de-pato, máscara e um pequeno saco preso à cintura por uma corda. Um homem nu, com aqueles apetrechos, parecia realmente engraçado para quem não estava acostumado a ver pessoas nuas na praia.

Fizeram fogo na areia, colocaram o tacho em cima e começaram a cozinhar alguma coisa.

À distância, não podia identificar o que era, mas minha curiosidade era grande. Estivessem vestidos, eu já teria ido até lá para ver o que estavam fazendo, mas, como estávamos nus, eu não sentia coragem para tanto.

Mais alguns minutos se passaram e minha curiosidade venceu o medo. Decidi levantar e ir ver o que estavam fazendo.

- Tudo bem? Estão gostando da praia? - perguntou ele, com ar simpático.

Senti-me confortável e seguro, pela simpatia com que fui recebido.

- Tudo bem. Estou curioso para ver o que vocês estão cozinhando - respondi.

- É marisco, venha comer conosco - convidou.

Não pude recusar aquele convite e entrei no meio do grupo.

Nunca tinha visto nada igual. Pareciam índios. Estavam todos bronzeados por inteiro. Sentados à volta do fogo, pegavam mariscos do tacho e comiam.

Jamais tentara comer marisco, por achar um tanto repugnante seu aspecto, mas não pude me negar de experimentar quando uma moça morena, que estava sentada ao meu lado, me ofereceu um. Uma delícia!

Até hoje, não sei se o que me fez gostar de mariscos foi seu próprio sabor, ou se foi aquele ambiente paradisíaco no qual os experimentei pela primeira vez.

Passados mais alguns minutos, Márcia, que até então estava em nosso guarda-sol, veio juntar-se ao grupo.

Nossa fantasia de náufragos na ilha deserta tinha se desdobrado numa experiência muito mais forte e gratificante do que poderíamos supor.

Ao final do dia, retornamos ao nosso camping, em Quatro Ilhas, já determinados a desmontar nossa barraca e acampar na Praia do Pinho. O camping estava em fase final de construção e a nossa barraca era a primeira a ser montada.

Restavam-me apenas mais três dias de férias e foi lá que os passamos, sem vestir uma peça de roupa sequer, e nos próximos anos não mais procuraria outras praias.

(Continua...)