quinta-feira, 28 de abril de 2016
quinta-feira, 4 de abril de 2013
COINCIDÊNCIAS SIGNIFICATIVAS
COINCIDÊNCIAS
SIGNIFICATIVAS
“Sincronicidade: é a união de acontecimentos internos e externos de
uma maneira que não pode ser explicada pela causa e efeito, mas que é
significativa para observador.”
Assim, a página 17 do livro Os 7 segredos da sincronicidade, de
Trish e Rob Macgregor, que comprei na sala de embarque do aeroporto de
Congonhas, em São Paulo, na conexão do voo que estava me levando para Vitória,
definia o assunto sobre o qual eu mesmo publicara um livro vários anos atrás.
“Eventos, sem relação de causa e
efeito, que ocorrem simultaneamente ou em sequencia, despertando em seus
participantes uma sensação emocional, sugerindo algum significado.” Foi mais ou
menos assim que o discípulo dissidente de Freud, Carl Jung, definiu o conceito
das “coincidências significativas” ou, no termo por ele mesmo escolhido:
“sincronicidade”.
O sol negou-se a participar do
XIII CONGRENAT – Congresso Brasileiro de Naturismo, que acontece a cada dois
anos e desta vez foi realizado na praia naturista de Barra Seca, em
Linhares/ES, neste feriado de Páscoa, mas a maioria dos dirigentes das 37
entidades naturistas filiadas à federação não seguiu seu exemplo.
Foi um congraçamento emocionante,
produzido pelo reencontro de “naturossauros” que dedicam e dedicaram muitos
anos de suas vidas, com paixão, ao ideal naturista.
Vindo de Porto Alegre,
encontrei-me, no aeroporto de Vitória, com Zé Wagner, que chegou de João Pessoa
poucos minutos mais tarde. Debaixo de seu cocar de penas coloridas, abrindo
seus braços como uma águia maternal, cujo bico ele traz num colar de dentes
pendurado ao pescoço e quase fura nossos corações emocionados, unidos num forte
abraço, Zé entoava, na sonora voz indígena, a saudação: “ Auê Pyá!”1.
O índio se apresentou no balcão
da locadora de automóveis para ser “meu motorista” até a praia naturista, ante
os olhares incrédulos e extasiados das balconistas, brindadas com aquele
espetáculo inesperado. Índio maluco, inspirando nas atordoadas e belas
atendentes a pergunta “O senhor tem habilitação?”.
“Maluco beleza” que faz Raul
Seixas dançar de alegria em sua cova – ou no paraíso em que estiver – ao
constatar que ainda existem pessoas pelas quais o mundo merece continuar
existindo.
Sobrevivi à viagem, de pouco mais
de 3 horas, por uma BR101 escura, clamando sinuosamente por duplicação, mas não
resisti de me apaixonar por aquele índio doido, que quase não atrapalhava o
tráfego enquanto cantava e recitava o vocabulário Tupi. Caso seja correto afirmar
que quando nos apaixonamos por alguém é porque nos vemos nele refletidos, só
posso concluir que me descobri maluco também: mais um para a confraria do Raul.
Seria esse o mesmo processo que é
chamado de “iluminação”, quando alguém se apaixona por Deus, pois percebe que
Ele é o oceano, num simples processo de identificação, do qual somos uma gota,
misturada na água imensa?
Esse preâmbulo turístico,
destacado pelo atrativo humano representado por esses personagens,
deslocando-se para um congresso onde as roupas são deixadas de lado, sem
constrangimento, já se poderia considerar pleno; entretanto, o que estava
preparado para o enredo desses dias ainda reservava eventos surpreendentes.
R$3,00 para ir e R$3,00 para
voltar. Esse era o preço estabelecido pelo canoeiro para nos navegar sobre o
pequeno rio vermelho – “ypiranga, na língua Tupi”, diria Zé Wagner – que divide
a Barra Seca do Pontal do Ipiranga.
Poucos minutos depois,
aproveitando o cenário, me encontrava contando para o Guilherme, meu fiel
inquisidor, a parte da história de Sidharta Gautama, mais conhecido por “Buda”,
da passagem da sua vida na qual decide, finalmente, se entregar a mais gloriosa
missão de todos os homens na Terra – servir aos outros – tornando-se canoeiro
em um rio, atravessando as pessoas.
“Mas como ele vivia, Celso?! Como
sobrevivia, se não cobrava pelo seu trabalho?” – perguntou, sempre preocupado com o futuro.
Respondi que, às vezes, a gratidão transborda do coração das pessoas,
fazendo-as estender a mão com algum presente. “No mais, a Natureza provê” – afirmei.
Algumas formalidades do evento
requisitaram minha presença na plateia da assembleia, mas, assim que pude, fui
dar uma pequena caminhada na areia da praia. Alguns alongamentos, uma pequena
corrida sobre a areia grossa para massagear as solas dos pés, percorrendo os
limites entre as bandeiras que demarcam o espaço dentro do qual se pode andar vestido
com a roupa de nascença sem ser condenado e me detive ante o pedaço quebrado de
um tronco de arbusto sem galhos, trazido pela maré. Sua raiz, num perfeito plano
perpendicular ao tronco, parecia ter crescido espremida entre o peso da
gravidade e um tampo de balcão de granito polido.
Levei-o comigo e o finquei, com a
ponta do tronco para baixo e a raiz para cima, no centro da área naturista,
mostrando a curiosa estrutura natural do emaranhado de raízes: “Só falta
colocar um tampo de vidro em cima para se tornar uma bela mesa” – comentei com
o Guilherme, que passava em direção ao mar.
Ajeitei a areia ao redor do pé da
nossa “mesa” e me fui ao mar, salgar o corpo naquela água, que parecia querer
compensar, com seu calor, o tempo nublado e fresco que nos dispensava da desagradável
lambuza do protetor solar.
Passei pelo Guilherme e, já com
água pela cintura, vi o lombo de um peixe, que se aproximava nadando rente à superfície.
Ao me perceber, mergulhou nas águas turvas, remexidas pelo vento sul,
desaparecendo a cerca de dois metros à minha frente.
Num impulso impensado, ainda
assim lento e tranquilo, com a surpreendente naturalidade de quem se debruça
sobre a gôndola refrigerada do supermercado, mergulhei meus braços na água e
senti as escamas do peixe passando pelas minhas mãos e, com os dedos da mão
direita encaixando nas guelras, retirei-o da água.
Voltei-me na direção da praia,
deparando imediatamente com a estupefação do Guilherme que, ao meu lado, me
olhava espantado, fazendo-me sentir como um ET desembarcando do disco voador,
apenas exclamando: “Celso! É um milagre! Você tem razão! A Natureza provê!!” –
referindo-se ao diálogo que tivéramos, minutos antes, sobre Buda.
Caminhei até a “mesa” de raízes,
que, por uma incrível coincidência, já estava preparada e deitei a Corvina, de
cerca de 3 ou 4kg, sobre o plano das raízes, diante de um grupo de surpresos
naturistas que logo me cercaram, comentando sobre a cena inusitada que acabavam
de presenciar.
Quanto ao congresso, fosse pela
impositiva oração, comandada pela pastora Maria da Graça – nome muito sugestivo
–, ou pelo cerimonial do evento, tão docemente conduzido pelo teólogo Waldo,
poder-se-ia até pensar que aquela centena de pessoas nuas ou em cangas
despojadas não passassem de ex-seminaristas comemorando alguma data especial.
A oração de São Francisco de
Assis, readaptada e cantada em coro emocionado pelos presentes, e aquela
história do peixe entregue pelo mar – em plena Sexta-feira Santa! –,
ressaltaram as “coincidências significativas” como um símbolo marcante desse
evento naturista, sugerindo que o “acaso” é um conceito muito pobre para
abranger o fato de que o papa, recém-eleito, tenha escolhido o nome de “Francisco”,
em homenagem à personalidade do milênio e primeiro naturista da história,
prenunciando, talvez, um novo tempo para os homens de Gaia.
Celso Rossi
“Naturossauro”
Fundador da FBrN
Autor do livro “Sincronicidade Absoluta: A ilusão do Livre-arbítrio”.
Adendo: Redigi esta crônica durante o voo entre Vitória e São Paulo. Fiz a
conexão para Porto Alegre e aproveitei para reler o que escrevera. Logo que
terminei a leitura, no primeiro instante – de toda a viagem – em que desgrudei
meus olhos do papel, vislumbrei uma foto de mais de meia página na revista de
bordo, nas mãos da passageira da poltrona ao lado. A foto me era muito
familiar: uma vista da Praia do Pinho (referida na matéria como praia
naturista) a partir de um ponto de onde ficava minha barraca, no mês de janeiro
de 1988, dentro da qual redigi a ata de fundação e os estatutos da FBrN, de
cujo congresso nacional, que se repete desde 1989, estava retornando. Qual a possibilidade de ser apenas
coincidência o fato de, justamente ao meu lado, estar aberta – exatamente nessa
página! – tal revista, de mais de cem páginas, e que, àquela altura do voo,
poucos passageiros ainda folheavam a revista de bordo? Lembrando que, no
percurso de ida, eu comprara um livro sobre sincronicidade!
1. Auê= Salve, ou seja uma saudação. Está no Hino Nacional do Brasil em
tupi. Auê, auê= Salve, salve. Piá= [ do guarani.] Pyá, estômago. Barriga.
Coração. Entranhas. Ânimo. Espírito. Consciência. Maneira carinhosa de chamar
alguém e especialmente as crianças. Não é aplicado apenas aos meninos que
servem de peão em estâncias, nem somente morenos ou filhos de índios // Py'á
pode ser aplicado a qualquer pessoa que muito estimamos. Poeticamente, é o
coração. (SAMPAIO, Mário Arnaud, Palavras indígenas no linguajar brasileiro.
Porto Alegre: Sagra: DC Luzatto, 1995). Obrigado Zé Wagner!
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
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